Tenho como costume ler e analisar obras da literatura local. Desta vez, a escolhida foi Serragem (2021), de Pádua Marques, disponível na Banca do Louro. Pádua é parnaibano, jornalista e escritor. Membro da Academia Parnaibana de Letras, autor de outras obras, dentre as quais recomendo Vinte contos para Simplício Dias” (2020).
Serragem é uma coletânea de contos narrados de maneira simples, explorando as histórias, tipos e vivências de uma pequena cidade do interior do Nordeste. Narrado em terceira pessoa, com um tom memorialístico, o que vai ser um dos pontos que talvez gere incômodo no livro, devido ao número de repetições do nomes e palavras, ele nos leva a conhecer boas histórias, de pessoas simples, proporcionando ao longo da leitura uma aproximação que leva a um encantamento e boas risadas.
Os personagens, variam entre um daqueles viúvos namoradores e sem vergonha na cara que todo mundo conhece, um aposentado do FUNRURAL que passa o dia inteiro vendo televisão, um “babão” que trabalha na prefeitura, até mesmo um cachorro, um desses caramelos que nós encontramos pela rua, nas praças vivendo sua vida. Dentre toda a variedade que é o universo de Serragem, um em particular me chamou a atenção: Zé do Avião. Sem dúvidas, o personagem mais bem construído do livro.
Zé é um daqueles personagens que a depender do ponto de vista, é um gênio ou um louco. Mesmo vivendo em Serragem, ele não deixa de sonhar, procura se elevar. Na pequena cidade, ele quer construir um avião, e só recebe apoio de duas pessoas. Da sua própria mãe e de Gerson Plitz, um engenheiro aposentado, que vem de fora. Como Zé mesmo diz: “Aqui em Serragem é assim mesmo. De vez em quando aparece um como eu, brigando com esta selva de ignorantes e provando que nos confins deste país ainda tem gente capaz de fazer alguma coisa de vulto!” Sim, Zé, concordo plenamente com você. Muitas vezes, é preciso ir embora, ou que alguém venha de fora para ser reconhecido.
Ler Serragem também é como embarcar em uma exploração em busca de petróleo. Em um primeiro momento, pode parecer uma tarefa árdua e incerta, mas, ao persistir, você descobre um tesouro escondido.
Cada conto é como uma camada de solo que revela a riqueza escondida na vida cotidiana de uma pequena cidade nordestina. Assim como o petróleo, o melhor fica no final e vai jorrar como uma fonte de riqueza valiosa. O último personagem do livro, é Eleutério Guimarães, personagem que diz saber onde existe petróleo na pequena cidade, e é responsável pela última e simbólica frase do livro:
“Mas lhe dou garantia de uma coisa: aqui na Serragem tem muito mesmo é petróleo”
– Petróleo? E como é que o senhor sabe disso, seu Eleutério?
Andei assuntando. Mas como vocês não são americanos, não digo onde é que fica não! E vão se embora que preciso dar um cochilo.”
Serragem, é uma obra que merece ser apreciada, há um bom valor literário, e em seu microcosmo uma capacidade de capturar e transmitir a essência da vida de um Brasil Profundo. É um poço, mas de riqueza cultural que espera para ser explorada.
*Eric Vinícius é professor da rede privada em Parnaíba. Professor e admirador da literatura parnaibana.