Com a chegada de mais um meio de ano a gente vai percebendo o quanto o tempo está mudando e as formas de vida se modificando. Nestes dias, antes da passagem junho, fiquei aqui imaginando como as coisas e as pessoas estão e andam diferentes. Se da água pro vinho é difícil de classificar. Mas de uma coisa eu tenho certeza: umas morrem, outras se alteram e mais outras lá na frente se adequam ao curso do tempo.
Dois animais estão em extinção, o moleque de recados e a fofoqueira. O primeiro é coisa de meu tempo. Havia moleque pra dar todo tipo recado. De feira, pedido de namoro, correr na vizinha pedindo uma xícara de açúcar, alguém que havia chegado e por tantas outras coisas. Aquele moleque da canela e dos pés cinzentos, criado no olho da rua, de calção encardido e com catinga de sol. Não era menino abandonado. Tinha pai, mãe, irmãos, família. Usava a rua como lugar de brincadeiras.
Bastava colocar na mão dele uma moeda, um bombom ou outro tipo de agrado e lá ia ele cumprir o mandado. Mas naquele tempo havia menino de rua. Não menino de rua com essa nomenclatura, essa classificação de ser menino abandonado à própria sorte, sem pai e mãe pra lhe dar de vez em quando um puxão de orelhas. Hoje não. Basta ver um adulto conversando com um menino que é logo tido como assédio.
Moleques desses que jogavam bola, peteca, brincavam com carrinhos de lata, soltavam pião ou papagaio em mês de agosto pra cima. Moleque de recados conhecidos pela obediência e respeito aos mais velhos. Fossem parentes aderentes ou apenas conhecidos de passagem. Dava o recado e voltava pra sua brincadeira. Até poderia ficar ouvindo conversa de gente grande pra mais tarde sair espalhando com acréscimo.
Outro animal que está em extinção é a fofoqueira. Dessas que ficavam o dia inteiro na calçada com a vassoura na mão ouvindo e dizendo. Falando da vida alheia, acenando pra um conhecido debochado. Chamando uma pariceira pra uma conversa de pé de muro ou de cerca. Aumentando um fuxico aqui, falando da filha da vizinha que agora andava perdida em más companhias namorando homem casado ou aquele sujeito vagabundo que nunca deu um prego numa barra de sabão!
Puxar pela memória tem é coisa. Tudo isso acabou com esse negócio de redes sociais! Se bem que eu acabei de ouvir de um amigo ilustre, o professor e confrade de academia, Antonio Gallas Pimentel, é que estes dois tipos não se extinguiram. Apenas mudaram as ferramentas de trabalho. Hoje tem esse negócio de facebook e whatsap.
A vida da gente não tem mais um dia, um minuto de sossego. Caiu nas redes sociais, está lascado! É coisa de efeito rápido, feito coceira de cansanção de boi ou de urtiga. Gallas está coberto de razão. O moleque de recados e a fofoqueira se modernizaram. Engraçado, levou tempo, mas se modernizaram. Crônica extraída do livro O Menino, de Pádua Marques, romancista, cronista e contista, membro da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba.