Faz tempo, mas eu me lembro desse detalhe, era difícil entrar em casa de um pobre e ao olhar para as frestas, não se vê uma grande quantidade de cascas de laranjas, completamente secas e enegrecidas pela poeira da fuligem. Que ninguém imagine ser coisa de macumba, algum feitiço ou coisa parecida, nada disso. Essas famílias de hoje que por dê cá essa palha correm com uma simples dor de barriga para os hospitais e postos de saúde, por qualquer coisa mais besta estão em balcão de farmácias, nem imaginam que aquelas cascas de laranja secas eram pra numa precisão extrema de dor de barriga e empachamento, por algum excesso e comida se fazer um chá. Era tiro e queda.
Isso mesmo, casca de laranja. Tinha gente que preferia ficar mastigando um pedaço de casca de laranja o dia inteiro, até que aquela indisposição passasse. Casca de laranja, sim senhor! Um santo remédio para aquele mal estar quando a gente come demais, come feito um burro, bebe cerveja e come panelada, feijoada de feijão quebra cadeira temperado com azeite de coco, banha de porco, essas comidas pesadas de que pobre gosta muito.
Esse pessoal mais antigo sabia das coisas. Onde já se viu descascar uma laranja, bem devagarinho e depois ir jogar aquela casca em forma de espiral entre as telhas da casa, lá deixar por meses ou até anos, pra num dia de necessidade, fazer um chá e beber num gole aquela beberagem amarga? Mas é assim mesmo!
E a gente nós de casa, a gente miúda, os meninos e meninas, ficavam de queixo caído olhando por um bom rasgo de tempo aquela marmota dependurada nas telhas, coisa de meter medo naqueles mais medrosos que tinham medo de assombração. E a gente ficava admirado vendo papai com uma paciência muito grande descascando laranja e depois com um movimento certeiro, jogar aquela casca que com o tempo mais ficava lembrando um rabo de, por entre a grade de das ripas do telhado. *Pádua Marques, romancista, cronista e contista, membro da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba.