Camarão do Equador ‘invade’ mercado nacional e prejudica produtores do Ceará.

Ano após ano, a produção de camarão em cativeiros, seja de água do mar ou doce (prática conhecida como carcinicultura cresce no Ceará, a ponto de o Estado ser o maior produtor nacional. Desde 2023, no entanto, a concorrência crescente da mercadoria importada do Equador coloca em risco a criação, principalmente em fatores sanitários e econômicos.

O assunto foi tratado na ExpoCamarão 2024, evento que reúne produtores de camarão de todo o Estado e de demais locais do Nordeste, que acontece desde a última quinta-feira (6) e se encerra neste sábado (8) durante a PEC Nordeste, maior feira agropecuária indoor do País, realizada no Centro de Eventos do Ceará.

Dados de janeiro da Associação Brasileira dos Criadores de Camarão (ABCC) evidenciam que, nos últimos oito anos, triplicou o volume, em toneladas, de camarão produzido no País. No recorte da série histórica, o Ceará sempre aparece como o maior produtor, seguindo uma tendência do Nordeste brasileiro. A região foi responsável, no ano passado, por quase 98% da carcinicultura nacional.

Em 2016, os carcinicultores cearenses produziram 34 mil toneladas de camarão. Após quedas em 2017 e 2018 e incremento da produção no Rio Grande do Norte, que chegou perto de tomar a liderança nacional, a prática voltou a crescer no Estado. Seis anos depois, o volume produzido do alimento no Ceará aumentou mais de 200%.

Segundo o presidente da Associação de Produtores de Camarão do Ceará (APCC) e da Cooperativa dos Produtores de Camarão do Ceará (Copacam), Luiz Paulo Sampaio, a alta exponencial na carcinicultura no Estado se deve ao cultivo do animal não somente em áreas litorâneas.

“A produção de camarão no Ceará tem crescido a cada ano principalmente pela interiorização da carcinicultura. São micro e pequenos empreendedores que têm encontrado uma forma de crescer no meio rural e isso tem sido de uma expansão gigantesca”, reflete.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, o principal município carcinicultor do Ceará — e do Brasil — é Aracati. A produção no local foi de mais de 61,3 mil toneladas, 87,5% de toda a fabricação de camarão no Estado naquele ano.

Ainda conforme o presidente da APCC e da Copacam, a produção de camarão no Ceará, que chegou perto das 90 mil toneladas em 2023, rendeu ao Estado cifras de aproximadamente R$ 2,7 bilhões.

DUMPING DO CAMARÃO EQUATORIANO

Se nos últimos cinco anos a carcinicultura no Ceará mais do que dobrou de produção, a pandemia de Covid-19 trouxe problemas para o mercado brasileiro em relação à concorrência com o Equador.

O país sul-americano é, ao lado da Índia, o maior produtor mundial do alimento, e tinha a China como principal mercado exportador. Durante a pandemia, porém, irregularidades sanitárias foram encontradas em lotes de camarão equatoriano, fazendo com que a nação asiática suspendesse a importação do animal.

Com uma produção acima do necessário e com estoques lotados de camarão, a saída encontrada pelo Equador foi negociar com outros países. Um deles é o Brasil que, em condições normais, tem condições de competir com a criação equatoriana, mas produtores brasileiros alegam que o País sul-americano vem praticando dumping.

Na economia, esse termo designa uma prática de comerciantes que exportam produtos por preços abaixo do mercado, eliminando a concorrência local e criando uma espécie de monopólio.

IMPORTAÇÕES CADA VEZ MAIORES

Os dados de exportação e importação brasileiras, disponíveis na plataforma Comex Stat, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), apontam que o camarão equatoriano está cada vez mais presente no Brasil.

Ao longo de todo 2023, o País importou 880 toneladas de camarão, sendo 740 do Equador (84,1% do total). Santa CatarinaRio de JaneiroSão PauloPernambuco, Rio Grande do Sul e Rondônia foram os estados que compraram o produto estrangeiro.

O valor total chegou próximo dos US$ 7 milhões, cerca de R$ 37 milhões na cotação da época. Na comparação, a mesma quantidade de camarão, produzida no Brasil, era vendida por R$ 26,4 milhões.

Somente de janeiro a abril de 2024, o volume de camarão importado no Brasil pelos mesmos estados já se aproxima das 832 toneladas, sendo o Equador (442 toneladas) e a Argentina (355 toneladas) os principais países que comercializam o produto. O valor importado é de US$ 6,5 milhões (R$ 32,5 milhões na cotação atual).

“O movimento que a gente está tentando se manifestar é para ver se barra a importação de camarão do Equador com todo o risco sanitário, risco de entrada de doenças novas, de preços. Já, já, a gente já vai ter importado muito mais do que no ano passado, e nem chegamos na metade do ano. É um risco também com a produção e risco de quebrar esses micro e pequenos produtores”, pondera o diretor técnico da APCC.

No início de maio, o governador Elmano de Freitas (PT) anunciou a isenção de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para toda a cadeia da carcinicultura e da piscicultura no Ceará.

Ainda no começo do mês passado, uma audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados debateu o retorno das tratativas para a exportação de camarão para o exterior.

QUEM CONSOME O CAMARÃO CEARENSE?

Até 2018, a carcinicultura brasileira tinha como principal destino o mercado europeu, situação que mudou após visita de uma comitiva da União Europeia ao Brasil. Naquele ano, Luiz Paulo Sampaio recorda que a inspeção dos europeus constatou irregularidades na produção de camarão no Sul do País.

Atualmente, não se exporta camarão no Brasil. Os principais mercados a gente não tem acesso. A Europa, perdemos esse mercado em 2018 por uma comitiva da União Europeia que veio ao Brasil e por encontrar irregularidades nas embarcações de pesca no Sul do País, acabou que suspendeu as exportações do Brasil de uma forma geral, independente de ser pesca ou aquicultura, peixe ou camarão, para eles, tudo é pescado. Acabamos pagando o pato.

Luiz Paulo Sampaio

Presidente da APCC e da Copacam

A situação é bem diferente do início do século XXI. Entre 2003 e 2004, o Brasil era o maior exportador de camarão do mundo, mas a produção entrou em declínio e perdeu terreno para países como Equador e Índia que, somados, concentram 50% da fabricação mundial do alimento.

Com as restrições e a concorrência internacional, o produto da carcinicultura cearense é consumido sobretudo no mercado interno, em especial nas capitais do Sul e do Sudeste brasileiro, principais consumidores do alimento.

“A gente está com problemas de mercado, precisamos ampliar e levar para mais consumidores no Brasil. Cerca de 10% dos municípios brasileiros consome camarão com regularidade, temos mais de 5 mil municípios para levar”, diz Pedro Martins, diretor técnico da APCC.

Diferente de alimentos como o caju e o leite, produzidos principalmente por grandes empresas, a carcinicultura no Ceará é originária de micro e pequenos produtores, em áreas alagadas no interior do Estado. Além de Aracati e Jaguaruana, na região do Litoral Leste do Estado, municípios do Vale do Jaguaribe, como Morada Nova e Palhano, se destacam na criação de camarão.

“Cerca de 80% é de micro e pequenos produtores, basicamente uma produção familiar. Tem uma rentabilidade que a família consegue se sustentar bem na região semiárida. O camarão é um instrumento de desenvolvimento rural, não só para o produtor, mas para toda a cadeia que está aí. São muitas famílias, direta e indiretamente, dependendo do camarão”, explica Pedro Martins.

Procurada para mais informações sobre a produção de camarão no Estado e a concorrência com o Equador, a Secretaria de Pesca e Aquicultura do Ceará não respondeu ao contato até o fechamento desta reportagem.

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Pádua Marques

Jornalista, cronista, contista, romancista e ecologista.

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