Baú de Ossos, *Eric Vinicius

Na última sexta-feira, após uma manhã de aulas, parei no Centro para descansar. Mais especificamente, fui ao café que fica na esquina da Avenida Getúlio Vargas com a Rua Alcenor Candeira. Pedi uma tapioca com queijo, um suco de cajá e comecei a folhear meu livro — Nordeste, de Gilberto Freyre. Naquele momento, olhando para aquelas páginas, lembrei de uma pergunta que me foi feita algumas horas antes: por que mesmo eu me interesso pela história brasileira? Peguei um pequeno papel e comecei a fazer algumas anotações para tentar responder a essa questão.

Lembrei do professor Thomas e dos meus amigos do Morro. Lembrei de Machado, José Lins do Rego, Carolina Maria de Jesus, André Rebouças, Euclides e vários outros nomes. Recordei os temas que mais me interessavam e fiz um panorama: locais que já tinha visitado, obras que havia consumido e coisas que tinha visto. Esse é o tipo de pergunta que, a princípio, parece ter uma resposta pronta. Mas, quando se para pra pensar e se questiona de verdade, percebe-se sua complexidade.

Bem, eu me interesso pela história brasileira, mas não simplesmente por nomes, acontecimentos, datas e a pequena política que vemos hoje. Falo da história da nossa formação, do nosso povo. Da imigração, das guerras, das revoltas, dos movimentos urbanos e sociais. Mas, principalmente, dos nossos escritores, intelectuais públicos e livres pensadores.

Enquanto terminava de beber o último gole do meu suco, lembrei do título do livro de Pedro Nava, Baú de Ossos. O nosso Baú de Ossos é profundo e carregado de belezas humanas. Não falo de santos, muito menos de romantizações, mas sim de homens e mulheres que, como muito bem definiu Ferreira Gullar, têm cheiro de umbigo. Talvez seja isso que me faça ter tanto interesse. Estamos longe de ter uma história perfeita, mas temos nossas próprias peculiaridades. É como se procurássemos um equilíbrio para tudo o que acontece.

Levantei e fui embora para casa já com metade desse texto escrito, no caminho fiquei imaginando como e onde, nesses diversos eventos, seria o meu Meia-Noite em Paris. Há várias opções. No Morro do Livramento ou no Cosme Velho, na companhia de Machado. Talvez eu quisesse tomar um trem para o subúrbio todos os dias com Lima Barreto. Ou estar com meu querido professor no dia 13 de maio, no momento da assinatura da Lei Áurea. Talvez um voluntário da pátria, do Batalhão de Osório? Um pracinha da FEB? Um dos militares que reagiram a João José da Cunha Fidié na Batalha do Jenipapo? — Afinal, desde que voltasse vivo, estaria tudo bem. — Ou talvez sonhasse um pouco menos, apenas observando um homem comum vendo o mundo mudar.

Ou vendo o mundo nas pequenas coisas à nossa volta. Quem foram as mãos que plantaram as árvores que nos rodeiam? As que construíram e pintaram nossas casas? As que fizeram o altar das nossas igrejas, que moldaram nossos sinos? E os pés antigos que por ali passaram, o que pensavam? Marc Bloch, em sua Apologia da História, nos ensina que, onde quer que haja vestígio de vida, o historiador deve estar ali, como um ogro que fareja carne humana. O Brasil é muito mais do que essas miudezas que vemos.

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I Ps: Texto dedicado à Antônio Conselheiro, ao Arraial de Canudos e todos os nossos heróis do Movimento Abolicionista.

II Ps: Há muito mais coisas que eu poderia dizer ou escrever.

Eric Vinícius é professor da rede privada em Parnaíba, estudioso e profundo conhecedor da literatura brasileira. 

 

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Pádua Marques

Jornalista, cronista, contista, romancista e ecologista.

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