Dona Teresa veio ainda pra mais próximo da margem do rio e ficou chorando. Perto, a menina, a mais nova dos filhos, segurando sua mão e olhando admirada sem entender direito o que estava acontecendo. Mas a mulher de Chico Diolinda via a lancha Santa Luzia se afastando e dentro dela seus dois meninos, Dionísio e Francisco. Iam ganhar o mundo no rumo do Acre à procura do pai que foi embora há mais de dois anos e nunca mais deu notícias.
Chico Diolinda. Um dia meteram na cabeça dele que carnaúba não dava mais nada e que agora o negócio pra se ficar rico era a extração de borracha no Acre. Ele vendeu umas braças de carnaubal novo numa ponta de terra na Ilha Grande de Santa Isabel e disse pra mulher Teresa que iria embora só voltando com a burra cheia e de anel de ouro no dedo. Sempre foi de trabalhar de sol a sol nesse negócio de palha e que não era nele que iria morrer enricando os outros na Parnaíba.
Chico Diolinda deixou a mulher e os cinco filhos, Dionísio, o mais velho, já chegando aos vinte anos, Sebastião, ali rente, Francisco, o do meio, Maria do Socorro e na ponta o caçula Vicente, todos morando na casinha da Coroa e de onde se avistava a Ilha Grande de Santa Isabel. E nesse sumiço pra o Acre nunca mais deu notícia e nem muito menos mandou dinheiro. Se um dia mandou por alguém nunca entregaram. Teresa Diolindo e os meninos viviam passando necessidade.
O pouco que se sabia do Acre era de que era terra no meio do mato, cheia de onças, terra onde tinha muita doença ruim, o impaludismo, coisa de se deitar pra dormir tremendo de febre e não se levantar mais. Mas o Acre era terra onde se trabalhava muito na retirada da borracha, uma goma que depois de junta e defumada era vendida pra gente do estrangeiro. E aquela guerra que não se sabia quando iria acabar fazia aqueles homens se largarem naquele meio de mundo cheio de perigo.
A notícia corrente em Parnaíba era de que muitos desses homens idos pra o Acre, a maioria cearenses, haviam morrido pelo caminho. Se bem que por lá bem podia encontrar um conhecido e mandar dinheiro ou pelo menos notícia. E dona Teresa e outras mães de família viviam sem dormir um pingo que fosse. Já era passado um tempo, mais de um ano daquele ano de 1943, e nada de se saber de Chico Diolinda. Se era vivo ou morto. Os meninos viviam perguntando pelo pai dia e noite.
Um dia Teresa criou coragem e foi procurar um adjutório. Foi bater na porta das firmas da rua Grande, na Casa Inglesa, seu Ranulfo, Pedro Machado, Franklin Veras, os Moraes. Nos donos de armazéns e representações. Onde pudesse ela iria entrar e contar o seu e o sofrimento dos filhos. Iria mandar dois deles, Dionísio, o mais velho e o do meio, Francisco, à procura do marido, que agora se sabia por conversa alheia até ter ficado cego. Foi com o primeiro, Dionísio e a menina Maria do Socorro.
Bateu com a cara na porta. O que mais ouviu foi de que desse Chico Diolinda como desaparecido ou até morto. O Acre era terra de muitas doenças, animais peçonhentos, onças. E aquele momento de guerra na Europa ninguém tinha como arriscar sair de casa. E que as vendas, os negócios na Parnaíba estavam ficando difíceis. Que tivesse paciência, um dia ele iria aparecer. Mas Teresa juntou coragem e foi até uns conhecidos, vizinhos, gente da família. Venderam umas reses, uns pertences de casa e o dinheiro da viagem de Dionísio e Francisco foi conseguido.
E dentro de mais alguns dias os meninos iriam sair da Parnaíba indo até a Tutoia no barco Santa Luzia. De lá pegariam um vapor até São Luiz no Maranhão e dentro de mais alguns dias chegariam a Belém. Seguindo depois pra Manaus. E de lá, pedindo uma ajuda aqui e outra ali chegariam um dia no Acre. Mesmo que levasse meses! Levavam na bagagem o necessário. Mudas de roupas, toalha, pão de sabão pra banho, pente, coisas de se manter.
Teresa preparou alguma coisa boa pra eles levarem e irem enganando o estômago nos primeiros dias. Agora ela e a filha Maria do Socorro estavam ali em cima da ribanceira no porto Salgado. O barco ia se afastando e ficando pequeno na vista das pessoas. A mãe pegou o pano que levava pendurado no ombro e enxugou os olhos. Quando já não deu mais pra ver a embarcação, puxou a mão de Maria do Socorro e seguiu pra casa. Ainda tinha três filhos pra acabar de criar. Pádua Marques é jornalista, cronista, contista e romancista da Academia Parnaibana de Letras.