A lata na goteira. *Pádua Marques

Por uma infelicidade dessas de não ter nada que preste na televisão pra ser visto por um vivente que seja nesta época de campanha eleitoral, outro dia esperei pra assistir a este tal de horário da propaganda gratuita na televisão. Arreneguei da empreitada e da ousadia. Mas já havia imaginado o que seria aquilo e mais aquilo e mais aquilo outro. E se aquilo é a sala de visita da tal de política eu quero mesmo é ficar por aqui mesmo no terreiro pra que quando o pau quebrar lá dentro eu tenha tempo de correr. Deus me livre e guarde.

A gente chega do serviço com os pés ardendo em brasa e a cabeça fervilhando de tanto e tudo o que é aperreio e ainda antes de colocar os pés dentro da chinela japonesa pra assistir como de costume o Jornal Nacional ou o canal do Sílvio Santos e pra desconte de pecado tem que aturar aquele monte de mentiras e de caras feias, que Deus num momento de relaxamento achou de colocar no mundo pra assustar a gente. Antigamente, não sei hoje, pois os tempos são outros, havia muito filme de assombração e também de sacanagem. Pois este tal de horário da propaganda eleitoral gratuito é as duas coisas juntas.

Eu queria que Deus tivesse pena desse pobre povo que chega cansado do trabalho pra encontrar no sossego sua família e desse um pouco de alívio nessa situação terrível de se deparar com todos aqueles sujeitos falando as mesmas coisas, prometendo as mesmas coisas. Gente que a gente olha e não vê estatura pra ser político sério. Gente que a gente percebe de longe que nunca passou por perto de uma igreja e muito menos de uma escola. Gente recrutada na borra mais bruta da ignorância verbal falando besteira e tentando empurrar as propostas mais absurdas. E essa gente se acha em condições de pedir assim na maior cara de pau o seu voto e o de sua família.

Outros, até que mais escolados, já conhecidos e reconhecidos da população pela falta de palavra e de respeito que tiveram com a sua confiança num passado recente acham que a gente se esqueceu da cara deles. E enchem o seu final de noite com a família com a mesma ladainha, a mesma história besta. Que mais parece aquela situação de uma casa que tem o telhado cheio de goteiras e a mulher ou a mãe se põe a colocar latas pra que a água não tome o piso e inunde tudo. E daí o que depois de algum tempo o que se tem é aquele barulho irritante dos pingos caindo no fundo da lata, aquela tortura miserável aos ouvidos e que os militares usaram e abusaram com os presos políticos no tempo do Costa e Silva do Garrastazu.

Pois é essa situação que a gente está passando com estes candidatos a cargos eletivos já pra agora em outubro. É aquela latumia sem fim, aquele monte de promessas e de propostas sem pé nem cabeça. E a gente tem de aguentar aquilo em nome da cidadania ou dos bons costumes na frente das visitas feito quando eu era pequeno e a minha mãe, católica fervorosa, achava de rezar um terço inteirinho, com todos aqueles, Creio em Deus Padre, Pai Nosso e Ave Marias à boca da noite e ao meio dia no mês de maio junto com algumas vizinhas, quando a imagem de Nossa Senhora de Fátima pernoitava em nossa casa.  O tempo passou e ficamos adultos e livres de toda aquela ladainha de minha mãe, mas ninguém imaginava que coisa pior haverá de vir. Hoje todo esse desfile de marmotas, uma gente quem nem se sabe a procedência falando que vai se eleito fazer isso e mais aquilo.

E a gente fica ouvindo todas aquelas coisas absurdas, a maioria dessas propostas completamente corporativistas, rasas em argumentos. Poucos são aqueles que trazem ideias novas, consistentes, com largo alcance social e político. Poucos têm noção de como funciona a máquina administrativa de um governo, seja municipal, estadual e federal. Poucos mais ainda são aqueles que conhecem as intrincadas ruas de uma câmara municipal, de uma Assembleia Legislativa e do Congresso Nacional. Mas ficam ainda de fora falando coisas sem sentido e criando ilusões entre os homens mais ignorantes.

E lá dentro, depois de eleitos esses candidatos tomam um chá de esquecidos. Nunca mais pisam na sua rua e no seu bairro. Vão é trabalhar em causa própria, empregar a família sem a menor cerimônia. Porque muitos candidatos fazem dessa atividade de disputar eleição de quatro em quatro anos como um meio de vida, uma profissão. E a gente em casa se torcendo sentado no sofá da sala pedindo a Deus pra que aquele maldito horário político termine feito aquela chuva que ameaça o telhado e volte a reinar a paz entre os de casa.  * Padua Marques, da Academia Parnaibana de Letras, do Instituto Histórico, Geográfico  e Genealógico de Parnaíba, romancista, cronista e contista. 

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Pádua Marques

Jornalista, cronista, contista, romancista e ecologista.

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