Noite dessas, coisa de pouco tempo, eu já estava me preparando pra entrar debaixo dos panos quando de repente entrou pela janela de meu quarto uma catirina. Entrou e fez zuada batendo as asas em volta da lâmpada. Depois voou no sentido das roupas dependuradas e dos meus livros na estante.
E fez aquele reboliço todo e o certo é que levou quase meia hora pra que eu pudesse colocar a insolente de janela pra fora fazendo com que voltasse pelo mesmo caminho por onde entrou. Então me larguei a pensar e recordar cá comigo os distantes dias de minha infância. Fazia muito tempo que eu não encontrava cara a cara com esse inseto tão interessante. Eu até já dava como outra espécie em extinção!
Catirina é inseto de inverno. Aqui pra nós, de tempos de chuvas e dos alagados. E na minha recordação de menino a gente ficava por um bom tempo pelos campos do bairro de Fátima correndo atrás das catirinas pra pegar e depois amarrar com uma linha. A captura não era nada fácil. A gente via e vinha pisando devagar. Um pé atrás do outro, mas bem devagar pra que ela não percebesse e voasse justo em cima da hora. Porque senão tudo estaria perdido.
Não se podia fazer zuada, não podia falar baixo e muito menos alto. A gente ficava como se estivesse numa pescaria. Sem dar um piu que fosse. Passava tempo esperando ela pousar na cabeça de um toco, num fio de arame ou numa touceira de pés de mussambê, pé de capa-bode, numa mata de sabiás, ali pra os lados do Pedro Agostinho, vizinho onde hoje é o mercado municipal, entre as ruas James Clark e Madeira Brandão.
Pedro Agostinho era agregado do doutor Mirócles Veras e tinha muitos filhos. Os dois maiores, o Zé da Onça e o Burra Cega, que era caraolho, depois de homens feitos seguiram a carreira de carroceiros. Ente os melhores lugares pra se pegar catirina, um era no Campo do Jaboatão, time criado pelos três filhos do João Surubaca, o Chico, o Raimundo, o conhecido Nabor e o Pedro, conhecido pelo apelido de Rádio. Depois vinha o Pelebreu, filho de dona Maria de Holanda, meus irmãos Daschagas e Luís, o Teninha, e outros mais, como o Canequinho, cunhado do Zezé Boi. Era lugar onde também se jogava muita carniça.
Mas era uma alegria medonha, um encantamento, quando depois de uma chuva e na volta do sol naquela campina, um dos quatro ou cinco meninos conseguia pegar a catirina segurando firme pelo rabo. E aquele barulho das asas transparentes batendo no campo aberto e cheio de poças de águas, era uma coisa extraordinária! E a gente ficava olhando aquele inseto de cabeça imensa e com aqueles olhos esquisitos. Nós caçávamos catirinas pra mostrar coragem e valentia uns pra os outros.
Depois o menino caçador levava pra casa ou pra onde o grupo estava brincando. Mas aquele brinquedo vivo logo iria perder o interesse e a gente achava de soltar e deixando que tomasse seu rumo. Ela iria já sem forças pousar num galho e ir depois embora. Tinha gente de nós que até guardava em caixa vazia que fossem de sapatos, de Maisena, em latas de Leite Ninho, dentro de uma garrafa. Mas a bichinha acabava era morrendo de tanta judiação. Pádua Marques, romancista, cronista e contista, membro da Academia Parnaibana de Letras.