Sísifo. *Eric Vinícius

 

 

No mês de março, um dos meus objetivos era iniciar a leitura da obra de Albert Camus. Comecei pelo seu ensaio filosófico O Mito de Sísifo. Para além do conteúdo do livro e suas reflexões, fiquei refletindo sobre o capital simbólico do título, que faz referência à história da mitologia grega, na qual um rei é condenado a rolar uma enorme pedra montanha acima para, no final, vê-la rolar novamente e assim repetir o processo por toda a eternidade.

 

Paralelamente ao livro de Camus, também estou lendo a obra Um Estadista do Império, de Joaquim Nabuco, que, além de ser uma biografia de seu pai, Nabuco de Araújo, analisa detalhadamente a política imperial do Segundo Reinado. As palavras na obra de Joaquim sempre me chamam a atenção por vários motivos, mas o principal deles é sua atualidade. O Capítulo 7 do livro, denominado “O Ministro da Justiça”, exemplifica muito bem isso. Existem citações sobre o cenário de violência já existente no Brasil no século XIX. Nas palavras do autor:

“A todos os presidentes Nabuco escreve sempre que devem cuidar antes de tudo da repressão dos crimes. A indiferença da população diante dos crimes mais atrozes, a convivência de todos com criminosos de morte, o sistema de vingança, o bárbaro feudalismo, que transformava o morador em capanga ou em espoletado potentado local, colocavam a sociedade em muitos pontos do interior em uma espécie de estado de sítio permanente. Nabuco por vezes esboçara na Câmara esse quadro de impunidade, a sobranceria das influências que se encastelavam nas suas propriedades e desafiavam a justiça que lá não ousava penetrar. Contra esse Estado no Estado, o ministério estava disposto a reagir.”

Nesse momento, veio-me à mente um dado que vi, do próprio Ministério da Justiça, só que de 2025, registrando cerca de 39 mil mortes violentas no país em 2024. Uma estatística que nos deixa — mais uma vez — entre os países mais violentos do mundo. Na literatura, vários dos nossos autores nos mostraram, direta ou indiretamente, o tema da violência em seus textos: Graciliano Ramos, em Vidas Secas, São Bernardo e Angústia; a figura dos jagunços e cangaceiros em Guimarães Rosa, José Lins do Rego e Herberto Sales; as guerras civis, como a Revolução Federalista e os conflitos do Sul, em O Tempo e o Vento; o horror e a tragédia que foi Canudos em Os Sertões, tão bem descritos por Euclides da Cunha. Ainda, mais recentemente, Rubem Fonseca e todo o seu brutalismo no mundo urbano em Carne Crua.

Na nossa história política, a violência também não é novidade. Temos vários golpes de estado, rasgos de constituição ditaduras, estados de sítio, censuras, perseguições e morte de opositores. É engraçado como, nesse cenário, o senso comum destaca nossas principais qualidades como: “amáveis”, “alegres”, “festeiros”, “simpáticos” ou, como no título do célebre Sérgio Buarque de Holanda, “Cordiais”. Como são curiosas essas contradições no país de uma República que tem como seu pecado original um golpe. O nosso Sísifo talvez seja a violência. Um absurdo, no sentido literal da palavra. Frente aos crimes mais atrozes, ao sensacionalismo, à banalização do mal e às notícias diárias, nós já não nos surpreendemos mais.

Eric Vinicius, professor da rede privada em Parnaíba, pesquisador, da nova geração de intelectuais do Piauí.

 

Facebook
WhatsApp
Email
Imprimir
Picture of Pádua Marques

Pádua Marques

Jornalista, cronista, contista, romancista e ecologista.

Seja avisado a cada notícia nova!